domingo, 2 de maio de 2010
#3
Você está no balcão da sorveteria e Jéssica está te esperando numa mesa. Ela pede uma cesta de morango com cobertura quente de chocolate e você pede uma mista de chocolate e creme com calda de chocolate e castanha pra você. Enquanto você espera o pedido, sente alguém cutucar-lhe as costas. Você se vira e Jéssica está com um canudo em cada narina e os olhos estrábicos. Você ri e dá-lhe um soco de leve no ombro.
Se você nunca esteve triste, como pode saber o que é felicidade?
Você pega sua cesta e Jéssica a dela e vão para a mesa que ela tinha reservado. Jéssica dá a primeira colherada no sorvete e fala que morango é o melhor sabor que existe. Você contradiz esse comentário com o argumento de que tudo o que é feito de morango é muito enjoativo.
Se você nunca provou o amargo, como poder saber o que é doce?
Ela encara isso como um insulto e insiste em enfiar-lhe uma colherada do sorvete goela abaixo. Você se esquiva, ela suja seu rosto e você acaba cedendo. Você ri e faz o mesmo com ela, porque sabe que ela odeia castanha. Ela xinga e sorri enquanto limpa o rosto com o guardanapo de papel. Você nunca viu um sorriso tão lindo.
Se você nunca odiou, como pode saber o que é amar?
Você e Jéssica saem da sorveteria e alguém passa correndo por você, então tudo acontece muito rápido: você ouve uma sirene, um estouro e sente uma pancada na cabeça. Gritos. Você sente algo quente escorrendo pelo rosto e o olho esquerdo é acortinado por um líquido rubro e viscoso. Você vê o mundo girar e num segundo você está em pé, no outro você está olhando para o céu alaranjado. Você está com frio.
Se você nunca sentiu frio, como pode saber o que é calor?
Você está com sua mãe na cozinha e ela deixa você lamber a colher com cobertura de bolo e seu pai segura o banco da bicicleta enquanto você pedala. Você vai para a escola com sua lancheira azul do Pernalonga e está jogando futebol com os garotos da classe. A Ana está segurando sua mão no playground da escola e você diz pra sua mãe que vocês estão namorando. Você está com o nariz sangrando e acerta o olho do Marquinhos com um soco. Você está com a Paula embaixo da árvore do pátio da escola e vocês se beijam. Você está aprendendo equação do segundo grau e você é foda. Você está no enterro do seu pai e então está no beco atrás da padaria fumando maconha.
Se você nunca fez algo errado, como pode saber o que é certo?
Sentado no fundo da classe, você não fala com ninguém. Uma garota senta do seu lado e diz se chamar Jéssica e você dá de ombros. Você está no cinema com a Jéssica e os amigos dela e eles são legais. Jéssica está chorando e você diz algo que a faz sorrir. Você e Jéssica estão andando na orla da lagoa do parque e está frio. Ela te abraça e você sente o coração dela batendo próximo ao seu. Seus lábios se encontram e nada mais importa. Nada mais importa quando você sai da sorveteria e o policial pede para chamar uma ambulância porque alguém foi acertado por uma bala perdida. Você apenas olha para Jéssica e descobre que valeu a pena estar ali apenas para ver aquele sorriso, sentir aquele abraço e dar aquele beijo.
Você está com frio. Você está com sono. Você fecha os olhos.
Se você nunca morreu, como pode saber que está vivo?
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Arrepiante! Tá muito foda os contos do blog *-*
ResponderExcluirAcho que vou começar a ler esse trem
ResponderExcluirSimplesmente fantástico.
ResponderExcluirimpressionante *-*
ResponderExcluirfaz sentido O.o
ResponderExcluirPrfeito!!