segunda-feira, 26 de abril de 2010
#1
Primeiro você mira o céu e no seu campo de visão há apenas o azul e o branco. Então você começa a rodar e rodar até o branco das nuvens e o azul do céu se mesclarem. Nesse momento você fecha os olhos. A luz do Sol transpassa as pálpebras e tudo o que você vê é um mundo vermelho-alaranjado, cor de carne. Você ainda sente tudo rodar, ainda pode ver o céu girando sob o fundo cor-de-abóbora que são suas pálpebras e diversos mundos abrem-se como um leque a sua frente.
Você deita sobre a grama ainda de olhos fechados, macia como o tapete antigo da sala no qual você rolava com seus brinquedos quando era pequeno. A leve brisa da tarde toca seu rosto, beija-o, acaricia-o. O clima está quente, mas confortável. A relva úmida lambe-lhe o braço.
Você está feliz. Radiante. É uma sensação boa estar ali. A vida é boa. Pacífica. Bela.
Você não consegue abrir seus olhos. Você tenta, mas não consegue. Leva as mãos até as pálpebras e as sente coladas sobre o rosto. Levanta. Desespera-se. Cego. O laranja torna-se negro. Não há mais Sol. O vento agora investe furiosamente contra o seu corpo, empurrando-o. Você se pergunta onde está o Sol. Você crava as unhas nas pálpebras na vã esperança de fazê-las se abrir. Você nunca se sentiu tão sozinho. Nunca se sentiu tão desorientado.
Você não sabe para onde ir. Tudo é treva, tudo é escuridão. Você sente vontade de chorar. Sente o nó na garganta afrouxando, as maçãs do rosto contraindo e as glândulas lacrimais trabalhando, mas você não tem olhos. Seus joelhos cedem, você cai de quatro e vomita. Você cai sobre o vômito. E você ri e rola sobre ele, porque é quente e cheira a banana amassada. Você lembra da sua mãe. Sua mãe com avental xadrez amassando a banana com o garfo. Com a colher azul de ursinho ela brincava de aviãozinho e você comia tudo. Você comia tudo!
Você ri e rola sobre o vômito porque você comia tudo e era um bom menino e seu pai iria trazer aquela bola verde bonita que você viu na feira domingo passado. A bola! Você iria ganhar a bola! Será que a maldita enfermeira não sabia disso? Ela te tira de sobre o vômito com um olhar de desprezo e aversão enquanto você chuta e cospe. Ah, a puta não sabia. Você sente uma picada. Você pede pra sua mãe matar o mosquito. Você odeia mosquitos.
Você começa a ficar com sono. A enfermeira te deita no tapete ao lado do avião e os bloquinhos de montar que de fato não estão ali, e nem o tapete, mas você não sabe disso ou finge que não sabe. Você fala pra ela que não quer dormir porque seu pai está chegando com a bola, mas sente suas pálpebras começarem a fechar. Ah, sim, elas estavam abertas. Você deve ter se enganado.
Tudo bem, isso acontece. Bons sonhos.
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no final o "mundo perfeito" sempre se destroi!
ResponderExcluirmas uma vez faz sentido...